segunda-feira, 17 de novembro de 2008

...Um sonho jesuíta






















Olhando pela janela do ônibus eu pensei comigo: “ como o nosso planeta ficou pequeno, e como nós o modificamos...” Desde o neolítico, quando a nossa espécie inventou um monte de coisas: desde a roda ao arado, agricultura e a organização social altamente complexa característica única nossa; de lá para cá modificamos o nosso ambiente em que vivemos. Tornamo-nos os “senhores” desse grão de pó flutuante no espaço ... Ocupamos quase todos os recantos do nosso planeta e isso implica a facilidade de deslocamento e o encurtamento das distâncias e uma abrangência de espaços em função do desenvolvimento das nossas tecnologias. Tudo ficou mais rápido, mais perto ...Das nossas plantações e criações de alguma cabeças de gado no passado, à inúmeras faixas de terra cultivadas e inúmeras, talvez até mols de cabeças de gado !
Toda a paisagem de Santo Ângelo das Missões se mostrava totalmente recortada por faixas cruzadas de floresta nativa, o pouco que sobrou da original em função da agricultura. Pelo que vi pela janela do bus e pude distinguir aos poucos, pela velocidade que o ônibus passava, que eram plantações de trigo (Triticum spp) , milho (Zea spp.) e girassóis (Helianthus annuus) . Longas e extensas faixas de perder de vista ao longe e todas assim: todas recortadas e repletas de lavouras divididas por essas faixas do pouquinho de floresta que sobrou. Quando éramos tribos que sustentadas pela caça local e uma agricultura medíocre, tínhamos um pouco mais do que alguns metros de cultivos que daria a subsistência a nossa família e ajudava na relação e fortalecimento do nosso grupo pela troca e escambo. Hoje, as nossas plantações cobrem hectares e mais hectares - modificamos amplamente o ambiente! E elas não pertencem a grupos, e sim a alguns donos; alguns afortunados proprietários de faixas astronômicas de terras...Isso acarreta uma série de complexas adversidades políticas envolvendo muitos partidos, cada um reivindicando um pedaço daquela terra.
Toda a espécie tenta se manter no seu ambiente, modificando-o de acordo com as suas necessidades: todos os organismos fazem isso ... Certamente aquela região, antes da ocupação humana, tinha uma biodiversidade que hoje se encontra só os resquícios, alguns capões que ainda guardam a beleza de antigamente quando as modificações inatas à natureza aconteciam naturalmente; não quer dizer que não sejam bonitas as extensas terras douradas pelas folhas amareladas do trigo e o verde vivo das folhas do pé de milho que nos encanta ao reflexo dos raios do sol e a beleza instigante dos girassóis todos virados para a fonte de luz ...
Ao longo de toda a história das ocupações humanas em todo o nosso planeta, certamente uma dessas relações, uma das mais importantes já ocorridas foi acarretada por duas nações que no passado mostravam o seus esplendores em navios e conquistas pelas terras “descobertas”. Essas nações eram Portugal e Espanha. Certamente eles não seguiram seus próprios mapas que nessa época, no auge resplandecente da renascença do século XV se tinham; e sim seguiram os passos deixados pelas frotas Chinesas dos comandantes Hong Bao e Zhou Man que passaram pela América uns 30 anos antes da “descoberta” dos europeus.
A Reforma de Martinho Lutero estava sacudindo a Europa nessa época. E a Igreja católica exigia alguma mudança em relação a isso - o clima político europeu era conturbado, marcado por guerras e disputas políticas e religiosas que derramaram o sangue de muita gente. Surge então a idéia de construir o Vaticano, a Companhia de Jesus era criada e a contra-reforma tomava volume para enfrentar a crise entre cristãos e cristãos reformados. Os jesuítas logo se adiantaram quando Inácio de Loyola, em 1540, criara essa ordem monástica, enviando os padres à missões evangelizadoras pela selva a dentro sul-americana, tanto para “arrecadação” de almas como para delimitar os territórios espanhóis onde os portugueses abusados já estavam tomando conta fundando colônias e adquirindo espaços em solo espanhol. Esses redutos tinham o objetivo tanto militar quanto religioso - e os jesuítas se auto diziam os soldados de Cristo - realmente eles tinham razão. Nessa época não deveria ser nada fácil a conquista desses lugares tomados de floresta e índios desconfiados daquela gente branquela e de hábitos estranhos; em um calor e úmido da densa floresta aqueles homens de fala mansa, vestidos com umas roupas longas de cor preta levando consigo uma cruz e extremamente inteligentes; dominado conceitos desde a culinária, astronomia, arquitetura e matemática até o domínio do idioma Tupi-guarani, que foi um fator fundamental para a catequização.
Hoje se encontram somente ruínas do que fora um modelo de república dentro de uma monarquia absolutista; pode-se dizer que idéias de Marx e Angels dominavam a cena muito antes deles aparecerem; as Missões eram constituídas por trabalho sistematizado, as moradias organizadas em lotes apropriados; onde existia ateliês, oficinas, esculturas, hortas e pomares e muita oração. As missões para os jesuítas eram muito mais do que um conquista política-territorial, era certamente um sonho; um sonho acalentado desde a partida da Europa; onde realmente eles poderiam agregar o rebanho de Cristo (ad maiorem gloriam Dei) Aqueles índios mansos de olhares curiosos ..talvez prontos ou não para terem um choque cultural que eles jamais iriam se recuperar!
No espetáculo de Luz e Som apresentado no local revive as glórias do império Guarani, dos ideais de educação que hoje nosso país não conhece; dos ideais revolucionários do Sepé Tiaraju, onde ele morreu com uma lança encravada nas costas e uma bala nos peitos ..morreu reivindicando um direito indígena: Esta Terra Tem Dono ! ...As luzes falam as palavras talvez ditas pelos padres incríveis e pelos índios artistas e músicos que lá viveram e presenciaram uma das maiores chacinas da história da nossa espécie: a Guerra Guaranítica.
Um sonho acalentado por tanto tempo, um reduto cuidado com tanto carinho e dedicação e justamente por causa dos interesses políticos regentes na época foi-se por água abaixo... Os padres deixaram um legado cultural impressionante - uma experiência de vida sem igual em contato com os índios que tanto eles amavam. Os índios nos deixaram uma Vida de arte, de simplicidade e dedicação. Hoje podemos conferir tudo isso em cada pedra encaixada das ruínas; em cada índio que vende o seu artesanato, em cada silêncio que nos fala pra quem sabe escutá-lo que ali viveram uma população exorbitante de pessoas regidas por dois padres que escreveram uma das mais incríveis e impressionantes páginas da história do nosso Estado!